quinta-feira, 29 de março de 2012

O VALOR DAS DERIVAÇÕES PRECORDIAIS DIREITAS (V3R-V4R) E POSTERIORES (V7-V9) NO IAM INFERIOR


Como sabemos o ECG padrão é formado por 12 derivações, seis do plano frontal (I, II, III, aVR, aVL, aVF) e seis do plano horizontal (V1, V2, V3, V4, V5 e V6). Derivações adicionais podem ser empregadas em certas situações, como as precordiais direitas (principais: V3R, V4R)  e as chamadas derivações posteriores (V7-V9). V3 e V4R são úteis no diagnóstico do infarto do ventrículo direito, que habitualmente ocorre em associação ao infarto inferior. O infarto posterior (ou lateral, conforme a classificação de Bayes de Luna) geralmente ocorre também associado ao infarto inferior. O ECG exibe no infarto posterior depressão do ST nas derivações V1-V2 e aumento da amplitude da onda R nestas mesmas derivações. As derivações posteriores auxiliam no diagnóstico ao mostrarem o padrão típico (supra de ST e onda Q) quando há envolvimento da parede posterior. O supra que se revela nas derivações posteriores se apresenta em V1-V2 com infra de ST (imagem em espelho); da mesma forma, a onda Q observada em V7-V9 se expressa em V1-V2 como aumento da amplitude da onda r.
Como devem ser realizadas estas derivações? São derivações que não são realizadas de rotina no ECG. Então mudamos a programação do eletrocardiógrafo para manual e realizamos V1 ou V1-V2-V3 e colocamos os eletrodos nos pontos torácicos de cada uma destas derivações. Quando empregamos V1 o registro é feito uma a uma, já utilizando V1-V2-V3 registramos de forma simultânea três das derivações citadas As precordiais direitas são obtidas com os eletrodos exploradores no hemitórax direito, nos pontos simétricos a cada derivação precordial padrão. Por exemplo, V4R é obtida com o eletrodo explorador no quarto espaço intercostal direito, linha hemiclavicular. As derivações posteriores são obtidas com o (s) eletrodos explorador (es) nos pontos estabelecidos paras as respectivas derivações posteriores, a saber:
V7- ELETRODO EXPLORADOR NO QUINTO ESPAÇO INTERCOSTAL ESQUERDO, NA LINHA AXILAR POSTERIOR.
V8-ELETRODO EXPLORADOR NO QUINTO ESPAÇO INTERCOSTAL ESQUERDO, NA LINHA HEMICLAVICULAR POSTERIOR, ABAIXO DA ESCÁPULA.
V9-ELETRODO EXPLORADOR NA BORDA PARAVERTEBRAL ESQUERDA.


Em geral a realização de V4R, V7 e V8 é suficiente para o diagnóstico do comprometimento do ventrículo direito e da parede posterior. Como tanto o infarto do ventrículo direito quanto o infarto posterior ocorrem habitualmente associados ao infarto inferior, devemos realizar as precordiais direitas (V4R é a principal) e V7-V8 em todo paciente com infarto inferior. Nos eletrocardiógrafos onde podemos programar para realizar isoladamente V1-V2-V3, então se colocamos o eletrodo de V1 no quarto espaço intercostal direito, na linha hemiclavicular direita para realizar V4R, o eletrodo de V2 no quinto espaço intercostal, na linha axilar posterior esquerda (V7) e o eletrodo de V2 na linha hemiclavicular posterior esquerda, logo abaixo da escápula (V7) realizamos as três derivações citadas (V4R, V7, V8) de modo simultâneo. Realizando as três derivações, teremos a informação sobre a presença associada de infarto do ventrículo direito e de infarto posterior (V. FIGURAS).


ECG DE 12 DERIVAÇÕES

REGISTRO DE V4R-V7-V8, IDENTIFICADAS NO TRAÇADO COMO V1, V2 E V3, RESPECTIVAMENTE (DUAS SEQUÊNCIAS)
(Eletrocardiógrafo programado no modo manual para registro de V1-V2-V3)


O ECG de 12 derivações neste exemplo é compatível com infarto inferior em evolução, onda Q e corrente de lesão nas derivações D2-D3-aVF, já com regressão do supra de ST, conforme comparação com ECGs prévios. Há R amplo em V1, entretanto em V1 o padrão é rS, o que não permite o diagnóstico de infarto posterior.
O registro de V4R não evidencia infarto do ventrículo direito, porém V7-V8 apresenta onda Q de 0,04 s e supra de ST de 1 mm, o que sugere infarto posterior. Portanto, podemos afirmar que se trata de infarto ínfero-posterior.
Acrescento que a derivação V4R, além de apresentar boa acurácia para diagnosticar o envolvimento do ventrículo direito, pode nos fornecer informações sobre a artéria culpada. 
Conforme WELLENS, a análise do segmento ST em V4R permite a determinação da artéria culpada no infarto ínfero-posterior:


  • SUPRA DE ST EM AVR (INFARTO DE VD ASSOCIADO): LESÃO PROXIMAL DA CORONÁRIA DIREITA (CD);
  • AUSÊNCIA DE SUPRA DE ST E T POSITIVA: LESÃO DISTAL NA CD;
  • DEPRESSÃO DE ST: LESÃO CULPADA NA CIRCUNFLEXA (Cx).


Nesse caso, V4R mostra depressão de ST, e onda T bifásica. Com efeito o cateterismo cardíaco mostrou oclusão da artéria circunflexa.
Lembro que a artéria culpada no infarto inferior é a coronária direita em cerca de 80% dos casos.
Quando há supra de ST em aVR, diagnosticamos infarto de VD e lesão culpada proximal da CD, já que a irrigação do VD se faz por ramos proximais da coronária direita. Neste caso há maior possibilidade de bloqueio AV nodal pelo comprometimento do ramo que irriga o nó AV (que tem também origem na CD na grande maioria dos casos). O infarto do VD se manifesta clinicamente por hipotensão e por pressão venosa elevada, sem congestão pulmonar. O envolvimento do ventrículo direito no IAM inferior é associado a maior taxa de complicações e maior mortalidade hospitalar.


REFERÊNCIA:
Wellens HJ. The value of the right precordial leads of the electrocardiogram. N Engl J Med. 1999; 340(5):381-3.
Zehender M, Kasper W, Kauder E, el al. Right ventricular infarction as an independent predictor of prognosis after acute inferior myocardial infarction. N Engl J Med 1983; 328 (14): 981-8.


domingo, 25 de março de 2012

QUAL O DIAGNÓSTICO 29?

                                Qual o diagnóstico?

(Cortesia de Dra. Larissa Pimentel, R2 de Clínica Médica-HUOL)



RESPOSTA:


O ECG mostra taquicardia regular, de QRS estreito, com FC elevada (1500/7=214 bpm). Podemos dizer que  trata-se de uma TPSV (taquicardia Paroxística Supraventricular). A TPSV apresenta duas formas principais de acordo com o seu mecanismo: a Taquicardia por Reentrada Nodal (TRN) ou a Taquicardia por Reentrada Atrioventricular (TRAV).
No nosso exemplo a presença de onda P’ logo no final do QRS, ora se apresentando como pseudo R (V1, aVR) é compatível com TRN. O intervalo do início do QRS ao início da onda P é menor do que 70 ms.
A TRN é a forma mais comum, respondendo por cerca de 60% dos casos, e tem como mecanismo a reentrada no nó AV pela presença de dupla via nodal. A TRAV é a segunda forma mais comum de TPSV (cerca de 30% dos casos). Esta taquicardia supraventricular de QRS estreito tem como mecanismo a macroreentrada com envolvimento de via acessória como componente do circuito reentrante. Na TRAV o circuito reentrante envolve várias estruturas: o átrio, o nó AV, o feixe de His e seus ramos, o ventrículo e a via acessória. O estímulo desce pelo sistema de condução normal e retorna para o átrio (condução retrógrada) pela via acessória. Na maioria dos casos o ECG basal em ritmo sinusal é normal e não apresenta padrão de Wolff-Parkinson-White. Isto ocorre porque neste caso a via acessória somente conduz retrogradamente, do ventrículo para o átrio, sendo denominada via anômala oculta.
Um estudo (Int J Clin Pract 2006; 60:1371–7) validou a acurácia dos seguintes critérios para definir o tipo de taquicardia quando não há padrão de pré-excitação no ECG basal, em ritmo sinusal. Pseudo r’ em V1 e/ou pseudo s’ nas derivações inferiores (característica de TRN), onda P visível após o QRS (> 100 ms) e alternância do QRS (critérios para TRAV) foram capazes de predizer o mecanismo da taquicardia paroxística supraventricular em 82% dos casos.




BIGEMINISMO VENTRICULAR E ONDA DE PULSO



Monitor cardíaco (UTI) mostrando ritmo sinusal e extrassístoles ventriculares bigeminadas. Observe que após o batimento sinusal (S) ocorre a onda de pulso, registrada na curva de oximetria (indicada pela seta: curva em amarelo), já o batimento ectópico ventricular (EV) não produz onda de pulso, não sendo captado pela oximetria digital. O batimento prematuro ventricular não gera débito. O batimento ectópico ventricular, por ser muito precoce, gera um volume sistólico muito pequeno, incapaz de abrir a valva aórtica (ou o faz com débito muito baixo), assim a onda de pulso não é transmitida à periferia. Dessa forma a frequência de pulso (registrada no oxímetro: 32) é a metade da frequência cardíaca registrada no monitor (64). A frequência de pulso é a que efetivamente representa o volume de sangue ejetado; e neste caso é uma frequência muito baixa (32), entretanto há uma compensação: os batimentos sinusais apresentam um volume sistólico aumentado porque a diástole (precedente) é longa, o que aumenta o enchimento cardíaco. Pelo mecanismo de Frank-Starling, quanto mais o miocárdio for distendido durante o enchimento, maior será a força de contração e maior será a quantidade de sangue bombeada para a aorta (volume sistólico).
Assim, mesmo com frequência baixa o paciente permaneceu assintomático e não houve repercussão hemodinâmica. Portanto, podemos acompanhar, procurar causas para a arritmia (como distúrbio eletrolítico, intoxicação por digitálicos, infarto agudo do miocárdio, pós-operatório de cirurgia cardíaca, IC descompensada, etc) e não administrar antiarrítmicos se o distúrbio não apresentar repercussão. O uso de drogas anti-arrítmicas pode agravar uma bradicardia sinusal de base que pode estar presente e contribuindo para o surgimento dos batimentos ectópicos. Neste caso o emprego de drogas como atropina (dose inicial 0,5 mg, fazer até 2 mg EV) pode corrigir a arritmia, mas o tratamento deve ser instituído quando a arritmia apresenta repercussão. A conduta é individualizada e a administração de drogas endovenosas, como atropina e  fármacos anti-arrítmicos, deve ser feita com cuidado e vigilância, em paciente monitorizado em ambiente de UTI, idealmente. Em pacientes ambulatoriais, a extrassistolia ventricular (idiopática) de via de saída do ventrículo direito é uma causa comum de bigeminismo ventricular (V. ECG COM DISCUSSÃO 4).

terça-feira, 20 de março de 2012

QUAL O DIAGNÓSTICO 28?

Paciente atendida com tonturas e dispneia. PA inaudível. Qual o diagnóstico? Qual a conduta?


                                                           




RESPOSTA:

O ECG mostra uma taquicardia com QRS largo, FC em torno de 150 bpm, RR regular.  Os diagnósticos principais são de taquicardia ventricular (TV) e taquicardia supraventricular com condução aberrante (TSV-A).
Como o paciente apresenta instabilidade hemodinâmica (PA inaudível) o tratamento é cardioversão elétrica: choque bifásico de 100 J (inicial), ou monofásico de 150-200 J.
O QRS largo é esperado na taquicardia taquicardia ventricular pela origem do estímulo no ventrículo, que percorre um trajeto anômalo fibra a fibra, fora do sistema de condução normal, o que alarga o QRS.
Nas taquicardias supraventriculares o QRS comumente é estreito, mas pode se apresentar largo pelo surgimento de aberrância (alargamento do QRS funcional: em virtude da frequência elevada, surge bloqueio de ramo funcional) ou pela presença de bloqueio de ramo pré-existente (o paciente já tem um bloqueio de ramo e faz uma taquicardia supraventricular). Em ambos os casos, a taquicardia supraventricular exibirá QRS largo.
Mas é importante fazer o diagnóstico diferencial entre TV e TSV-A, para a programação do tratamento subsequente. Para isto, dispomos de algoritmos, como o de Brugada e o de aVR. Pelo algoritmo de Brugada paramos na primeira pergunta: "AUSÊNCIA DE RS EM PRECORDIAIS". Apesar da interferência em V6, não observamos complexo RS no traçado, o que é compatível com TV. Pelos critérios morfológicos, o padrão é de BRD, com R em V1, o que sugere TV. Adicionalmente, a presença de Q em V5 (em V6 há interferência) sugere TV.
Pelo algoritmo de aVR (algoritmo de Vereckei), a presença de R inicial nessa derivação é compatível com TV.
Por outro lado, observa-se um pequeno entalhe no final do QRS em algumas drivações, o qual é sugestivo de onda P retrógrada. A presença de onda P retrógrada, com relação 1:1, sugere taquicardia supraventricular (como no caso de taquicardia paroxística supraventricular-TPSV-conduzida com aberrância), mas pode ser observado na TV também pela possibilidade de condução retrógrada ventrículo-atrial.
Portanto, consideramos que este traçado é de taquicardia ventricular.

POST RELACIONADOS:
1. DISCUSSÃO DE ARTIGO: NOVO CRITÉRIO PARA DIFERENCIAR TAQUICARDIA COM QRS LARGO.
2. RESPOSTA DO QUAL O DIAGNÓSTICO 2.
3. ALGORITMO DE BRUGADA

CONCEITOS BÁSICOS: SIMPLES ALGORITMO PARA DETERMINAÇÃO DO EIXO ELÉTRICO DO QRS

Esta simples algoritmo pode ser usado para diagnosticar os desvios do eixo elétrico no plano frontal. Não permite o cálculo do eixo, mas determinar se o eixo encontra-se normal, desviado para a esquerda, desviado para a direita ou desvio extremo do eixo. Em geral o mais importante é determinar se o eixo encontra-se normal ou desviado e (o tipo de desvio) do que a determinação do eixo em graus.
Consideramos como normal o eixo elétrico do QRS entre -30 graus e + 90 graus.
Deve-se considerar se o QRS é predominantemente positivo, considerando a área (amplitude e duração) do complexo nas derivações. Por exemplo, se em D2 o complexo é RS, mas a área da onda R é maior do que a da onda S, então o complexo QRS é considerado predominantemente positivo.
Quando o complexo é isodifásico o eixo encontra-se perpendicular àquela derivação. Nesses algoritmo, um eixo isodifásico ou isoelétrico (positividade=negatividade) pode ser considerado (tratado) como positivo.


Esquerda-desvio do eixo para a esquerda; Direita-desvio do eixo para a direita; D Extremo-desvio extremo do eixo. A primeira etapa é observar se D1 é predominante positivo (+) ou negativo (-). Se D for positivo, então vamos analisar D2; se negativo, analisamos aVF.



Conforme podemos observar, se no traçado o QRS é predominantemente positivo nas derivações D1 e D2, então o eixo está dentro da faixa que consideramos como normal.


 A seguir citamos dentro do círculo do sistema axial as principais causas de desvio do eixo.

CAUSAS DE DESVIO DO EIXO PARA A ESQUERDA:
BDASE-bloqueio divisional ântero-superior esquerdo (ou bloqueio fascicular anterior esquerdo), HVE-hipertrofia ventricular esquerda, infarto inferior

CAUSAS DE DESVIO DO EIXO PARA A DIREITA:
BDPI-bloqueio divisional ântero-posterior esquerdo (ou bloqueio fascicular posterior esquerdo), HVD-hipertrofia ventricular direita; HAP-hipertensão arterial pulmonar, cardiopatias congênitas, dextrocardia, infarto lateral.

CAUSAS DE DESVIO EXTREMO DO EIXO:
Cardiopatias congênitas, dextrocardia (raramente), cardiomiopatia.


quarta-feira, 14 de março de 2012

ECG COM DISCUSSÃO: MARCA-PASSO COM DISFUNÇÃO


O ECG do paciente portador demarca-passo definitivo frequentemente oferece dificuldade para interpretação, já que exige um entendimento das várias funções incorporadas nos marca-passos, o qual pode apresentar disfunções, que se expressam no ECG. Mesmo para quem trabalha com estimulação cardíaca artificial, alguns traçados traçados exibem alterações que são um desafio para o seu diagnóstico. Muitas vezes a explicação para a alteração encontrada só é possível com o conhecimento da programação do marca-passo ou a interrogação do dispositivo através de programador específico (telemetria). Muitas vezes, através da telemetria pode ser realizada a correção da disfunção apresentada pelo sistema de estimulação pela reprogramação do marcapasso. Assim, é importante o seu reconhecimento, o que pode ser feito frequentemente através de uma boa análise do ECG padrão de 12 derivações.
O ECG acima foi obtido logo após o implante de marcapasso biventricular. O paciente, portador de insuficiência cardíaca (IC) refratária ao tratamento medicamento, fibrilação atrial (FA) permanente e marcapasso prévio, unicameral, modo VVI, implantado há 2 anos. Estava internado com IC, FA e marca-passo com eletrodo posicionado no ventrículo direito. Uma vez optado pelo upgrade para sistema biventricular, um cabo-eletrodo adicional foi posicionado no ventrículo esquerdo através do seio coronário. Utilizamos um gerador bicameral, conectando o eletrodo novo do ventrículo esquerdo no canal atrial e o eletrodo antigo no canal ventricular. Está é uma prática comum: utilizar um gerador dupla-câmara para estimulação biventricular, na presença de fibrilaçao atrial (já que não precisamos pôr eletrodo no átrio).
O marcapasso foi programado da seguinte forma:
Modo DDT
FE=70/60 bpm (FE diurna=70; FE noturna=60)
Sensibilidade Atrial: AUTO; Sensibilidade Ventricular: AUTO
Intervalo Átrio Ventricular (IAV): 15 ms (menor valor possível).
O IAV é programado no menor valor possível, próximo a zero, para permitir a estimulação simultânea dos dois ventrículos.
Esta função AUTO permite o dispositivo ajustar automaticamente a sensibilidade, de acordo com os valores do sinal sentido (P ou R). É a programação nominal atualmente de alguns geradores.
Qual é a anormalidade observada no ECG?
O QRS encontra-se largo, mas isso pode acontecer com o marca-passo biventricular mesmo com captura adequada.
Chama atenção a FC elevada, em torno de 107 bpm. Como o dispositivo foi programado com FE de estimulação de 70 bpm, então como pode está estimulando o ventrículo com FC maior?
A explicação que obtivemos após interrogar o sistema foi que o eletrodo de seio coronário passou a sentir a atividade atrial (ondas f da fibrilação atrial) e como estava programado em DDT (T-trigger) emitiu estímulo tanto no canal atrial (eletrodo do VE), tanto no canal ventricular (eletrodo de VD). A captura no ventrículo esquerdo era adequada, veja que D1 está negativo e há R grande em V1. O dispositivo sentiu a atividade atrial de baixa amplitude porque a sensibilidade atrial estava programada em AUTO, fazendo com que o dispositivo automaticamente diminuísse os valores de sensibilidade até que passou a captar a atividade atrial (oversensing); ou seja,  passou a sentir o átrio através do seio coronário.
Quando fazemos o teste de captura em AAI para avaliar o limiar do eletrodo de seio coronário (sentindo e estimulando só no canal atrial) o marca-passo não emitia espícula, fazendo surgir períodos de assistolia (o paciente era dependente), sendo interpretado inicialmente como perda de captura no ventrículo esquerdo e possível deslocamento do cabo-eletrodo de seio coronário. Mas o que ocorria é que o dispositivo não emitia espícula porque era inibido pela atividade atrial sentida (teste de limiar no modo AAI).
A correção dessa disfunção foi fácil, aumentamos a sensibilidade no canal atrial e ventricular para os valores  habituas de ventrículo (2,5 mV), fazendo com que o dispositivo deixasse de sentir a atividade atrial de baixa amplitude (captada no eletrodo de VE, no seio coronário), passando a estimular na frequência programada (70 ppm) os dois ventrículos.
O teste de limiar foi refeito, mostrando bons limiares de estimulação.
O paciente apresentou boa evolução clínica.



terça-feira, 13 de março de 2012

O ECG NA DISPLASIA/CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO

A displasia (ou cardiomiopatia) arritmogênica do ventrículo direito é uma doença primária do músculo cardíaco, determinada geneticamente (alterações genéticas nos desmossomos, que são proteínas de ligação entre as células) e que afeta predominantemente o ventrículo direito (VD), mas tem sido demonstrado envolvimento microscópico biventricular na maioria dos casos, sendo descrito o comprometimento subepicárdico do ventrículo esquerdo.O miocárdio normal sofre atrofia e substituição por tecido fibro-gorduroso. Esta substituição do tecido normal por tecido fibro-gorduroso gera instabilidade elétrica e arritmias malignas, sendo a morte súbita por taquiarritmia ventricular uma manifestação comum nesta entidade. É uma causa importante de morte súbita em jovens, principalmente atletas. É mais frequente no sexo masculino.
A suspeita clínica de DAVD é baseada na história de síncope, palpitações, episódios de taquicardia ventricular. Os pacientes que apresentam morte súbita geralmente tem história de síncope, mas a morte súbita pode ser a manifestação inicial. Alguns pacientes desenvolvem sintomas e sinais de insuficiência cardíaca por falência ventricular direita. A história de morte súbita prematura na família (< 35 anos), ou casos de doença na família é um dado importante para o diagnóstico. 
O diagnóstico da DAVD é muitas vezes difícil. Uma força tarefa desenvolveu um conjunto de critérios maiores e menores para o diagnóstico, baseando-se em dados da história, dados do ECG, presença de taquicardia ventricular com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo (BRE), dados de exame de imagem e achados na biópsia endomiocárdica. A origem da taquicardia no ventrículo direito, que é mais intensamente afetado,  explica a sua morfologia típica de BRE apresentada pela taquicardia ventricular.
A ressonância magnética cardíaca com realce com gadolínio é atualmente o principal exame de imagem na DAVD por apresentar boa correlação com os achados da biópsia. A biópsia endomiocárdica é reservada para alguns casos, quando há dúvidas no diagnóstico. O ecocardiograma pode revelar dilatação do ventrículo direito ou alteração contrátil no VD, mas pode ser normal.
A taquicardia ventricular apresentada pelo paciente com DAVD apresenta morfologia de BRE, já que tem origem no VD. A taquicardia ventricular idiopática da via de saída de ventrículo direito também apresenta morfologia de BRE e o diagnóstico diferencial entre as duas formas é importante, já que apresentam tratamento e prognóstico diferentes.
A arritmia ventricular da via de saída do ventrículo direito e a relacionada a DAVD podem ter aspectos morfológicos semelhantes, entretanto na DAVD o ECG em ritmo sinusal geralmente apresenta  alterações. As seguintes alterações no ECG em ritmo sinusal na DAVD são consideradas critérios diagnósticos:
1. ONDA EPISILON:
Pequeno entalhe, reprodutível, de baixa amplitude entre o final do QRS e o início da onda T nas derivações precordiais direitas (V1  e V2). Ocorre em cerca de 30% dos casos.
2. INVERSÃO DE ONDA T NAS PRECORDIAIS DIREITAS (V1, V2 E V3):
Ondas T invertidas nas derivações precordiais direitas V1, V2 e V3 ou além em pessoas > 14 anos de idade na ausência de BRD completo. Este é agora considerado um critério maior. A presença de inversão de T em V1, V2 (sem BRD) ou em V4, V5 e V5 ou de V1 a V4 associada a BRD são critérios menores.
Um estudo mostrou que a inversão da onda T de V1 a V3 (no ECG em ritmo sinusal) tem sensibilidade de 47% e especificidade de 96% para diagnosticar DAVD em pacientes que apresentam taquicardia ventricular com morfologia de BRE.
Destacamos que a forma mais frequente de taquicardia ventricular com morfologia de BRE é a taquicardia (idiopática) de via de saída de VD. Esta arritmia apresenta geralmente bom prognóstico e tem como característica o padrão de BRE com eixo para baixo (QRS positivo nas derivações inferiores). A TV na DAVD apresenta também morfologia de BRE, conforme já foi citado, e eixo elétrico variável (para baixo, desviado para a esquerda). A taquicardia ventricular com morfologia de BRE e eixo desviado para a esquerda (eixo superior) é associada com DAVD.
Outras alterações eletrocardiográficas citadas na DAVD são: bloqueio de ramo direito, aumento localizado na duração do QRS (> 110 ms em V1 a V3) e batimentos ventriculares multifocais. Os pacientes com DAVD apesentam extrassístoles ventriculares frequentes em registro de Holter e potenciais tardios no ECG de alta resolução.
Em relação ao tratamento, os pacientes com diagnóstico de DAVD e risco moderado ou alto devem receber implante de cardiodesfibrilador (CDI) para prevenção da morte súbita. Nos pacientes com morte súbita abortada, síncope e TV sustentada o implante de CDI é indicado.  O CDI é recomendado nos pacientes com um ou mais dos seguintes fatores de risco: síncope, TVNS, história de morte súbita familiar (parente de primeiro grau) e indução de arritmia ventricular maligna no EEF. A presença de doença extensa, incluindo o VE, é considerado um fator para recomendar a prevenção primária (com CDI).


REFERÊNCIAS


1.Marcus FI, Mckenna WJ, Sherrill D, et al. Diagnosis of Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy/Dysplasia Proposed Modification of the Task Force Criteria. Circulation. 2010;121:1533-1541.
2. Morin DP, Mauer AC, Gear K, et al. Usefulness of Precordial T-Wave Inversion to Distinguish Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy fromIdiopathic Ventricular Tachycardia Arising from the Right Ventricular Outflow Tract. Am J Cardiol. 2010 June 15; 105(12): 1821–1824.

sábado, 3 de março de 2012

RESPOSTA DO ECG ANTERIOR: QUAL O DIAGNÓSTICO 27

O ECG mostra padrão de BRE e pré-excitação ventricular: intervalo PR curto com provável onda delta (visto em AVL e V1). O paciente apresenta quadro de insuficiência cardíaca, com disfunção sistólica importante.
Neste caso, provavelmente o estímulo desce pelo sistema de condução normal (feixes internodais, nó AV, ramos, ventrículos) e também desce através de uma via acessória localizada à direita.
O estímulo que desce pelo sistema de condução normal o faz com bloqueio pelo ramo esquerdo. O QRS não apresenta meseta ou entalhes em V5-V6, mas sim em I-AVL.
O ventrículo direito é ativado precocemente  em virtude da associação via anômala e bloqueio no ramo esquerdo, o que gera dissincronia.
Neste caso está indicado o estudo eletrofisiológico invasivo visando a ablação desta via anômala. Deve ser considerada a possibilidade de taquiarritmias atriais (fibrilação atrial, flutter atrial) ser conduzidas ao ventrículo pela via anômala, com frequência elevada (pelo curto período refratário da via acessória), com degeneração para fibrilação ventricular e morte súbita. Neste caso, a presença de dilatação e disfunção ventricular poderia ser um fator para maior risco para taquiarritmia atrial e possível condução pela via anômala.
Já tratamos da pré-excitação ventricular neste blog.