terça-feira, 19 de abril de 2011

DISCUSSÃO DE ARTIGO: UTILIDADE DO BRE COMO CRITÉRIO DIAGNÓSTICO PARA O INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM)

A utilidade clínica do bloqueio de ramo esquerdo (BRE) como um critério eletrocardiográfico equivalente ao supra de ST para o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio (IAM) não foi bem estabelecido.
Este estudo aborda esta questão. Foi baseado no registro da Mayo Clinic, um centro terciário com disponibilidade para realizar ATC primária 24 h/dia. Desde 2004 um total de 892 pacientes foram admitidos com diagnóstico inicial de de IAM com supra de ST. Destes, 36 pacientes (4%) apresentam novo ou presumidamente novo BRE. Somente 14 dos 36 pacientes (39%) apresentaram diagnóstico final (à alta) de síndrome coronariana aguda-SCA (12 IAM), e a maior parte (61%) apresentavam BRE  não relacionado a síndrome coronariana aguda: seja relacionado a cardiopatia (na maioria insuficiência cardíaca) (36%) ou de causa não cardíaca (25%). Os pacientes com BRE tem um perfil maior de risco: maior idade e maior TIMI score. Como conclusão: o BRE novo ou presumidamente em pacientes atendidos com suspeita de IAM identifica um subgrupo de alto risco, porém somente um relativo pequeno número apresenta IAM, sendo que 2/3 dos pacientes têm alta com um diagnóstico alternativo. O BRE é uma causa conhecida de diagnóstico equivocado de IAM e ativação desnecessária dos serviços de hemodinâmica.
Outros dados deste estudo:
1. Os critérios de Sgarbossa apresentam sensibilidade muito baixa (14%) e especificidade alta (100%), confirmando os dados de outros estudos (incluindo uma metaanálise, na qual a sensibilidade foi de 20%). Assim estes critérios têm limitada utilidade na prática clínica.
2. A dor torácica como sintoma predominante esteve presente em 13 dos 14 pacientes com SCA e em 2 dos 13 com BRE de causa cardíaca, mas sem SCA. Nestes últimos o sintoma predominante foi dispneia.
3. 25% dos pacientes com BRE nesta série não apresentavam cardiopatia. A maioria apresentava dor torácica, que foi considerada de causa não cardíaca.
Chamo atenção para o número elevado de pacientes com BRE, neste estudo, não relacionado a cardiopatia. Sabemos que BRE é geralmente associado a cardiopatia orgânica, assim podemos supor que muitos dos pacientes considerados com BRE sem cardiopatia, poderiam ter doença cardíaca não evidente, como esclerose do sistema de condução, cardiomiopatia incipiente, HAS, etc.
Em todo caso, o grupo de pacientes analisados é pequeno, tornando difícil a análise de subgrupos.
A principal mensagem deste estudo é que entre os pacientes atendidos com suspeita de IAM e BRE (novo ou presumidamente novo) a maioria não apresenta SCA.

Fonte:
1. Jain S, Ting H, Bell M, et al. Utlity of left bundle branch block as a diagnostic criterion for acute myocardial infarction. Am J Cardiol 2011; 107: 1111-16.

domingo, 10 de abril de 2011

CAUSAS DE ONDAS Q PATOLÓGICAS


    FIG. 1. ECG de paciente com IAM prévio (anterosseptal). Ondas Q patológicas de V1 a V4
                       FIG. 2. ECG de paciente com Miocardiopatia não isquêmica. Presença de baixa voltagem e ondas Q patológicas em várias derivações. Cateterismo com coronárias normais.

Já tratamos aqui das causas de supradesnivelamento do segmento ST. Agora discutiremos as causas de ondas Q patológicas. A condição mais comum associada com o aparecimento de ondas Q anormais é o infarto agudo do miocárdio. As ondas Q surgem na fase aguda do infarto e podem persistir no ECG. As ondas Q estão relacionadas a perda da capacidade do tecido de ser ativado ou excitado, em virtude da alteração do potencial de ação. O tecido se transforma no meio condutor, não contribuindo para o processo de ativação. Não obrigatoriamente é tradução de necrose (morte celular), já que após a reperfusão o tecido pode recuperar a excitabilidade. Consideramos como patológica qualquer onda Q nas derivações V1 a V3 e Q >= 0,03 nas outras derivações, exceto D3 e AVR (que podem exibir ondas Q de maior amplitude).


Entretanto, o encontro de ondas Q no ECG geralmente está associado a fibrose e áreas de cicatriz, seja de causa isquêmica ou não. Várias condiçãoes podem ser responsáveis por ondas Q anormais, conforme enumeramos a seguir:
1. Infarto agudo do miocárdio (FIG 1): como já citado, surgem na fase aguda. O encontro de ondas Q no ECG é um marcador de infarto prévio e de cardiopatia isquêmica.
2. Cardiopatia Chagásica Crônica: há áreas de fibrose, em permeio a áreas de miocardite (infiltrado). As áreas de fibrose podem se expressar no ECG como ondas Q anormais e perdas de potenciais de R.
3. Cardiomiopatia Dilatada (FIG 2): a presença de áreas de fibrose na cardiomiopatia são frequentes em estudos de ressonância magnética cardíaca, sendo considerado um marcador de mal prognóstico. Isto pode ser responsável pelo registro de ondas Q anormais e pobre progressão de R nas precordiais nestes pacientes.
4. Alteração na sequencia de ativação: no BRE pode haver ondas Q em V1-V2 e pobre progressão de R. Na HVE e no bloqueio fascicular anterior esquerdo pode estar presente pobre progressão de R nas derivações precordiais. Na pre-excitação ventricular pode exibir ondas Q patológicas em virtude da mudança na sequencia de ativação ventricular.
5. Doença pulmonar obstrutiva crônica: é mais comum a pobre progressão de R e a baixa voltagem, mas ondas Q podem ser observadas.
CAUSAS MAIS RARAS DE ONDAS Q:
1. Cardiomiopatias infiltrativas, como amiloidose e sarcoidose onde há substituição do tecido muscular por substância inerte amiloide na amiloidose e granuloma não caseoso e fibrose na sarcoidose. Nestas condições os distúrbios de condução são comuns.
2. Infiltração miocárdica por tumor: tem sido descrito como causa de ondas Q patológicas.
3. Cardiomiopatia hipertrófica: o ECG pode algumas vezes exibir ondas Q profundas e estreitas.
4. Distrofia muscular (Ducchene, Becker): ondas Q profundas e estreitas, silmilar ao observado na cardiomiopatia hipertrófica.
5.Variante do normal: ondas Q em V1,V2 e nas derivações inferiores (D3, AVF).
6. Trauma cardíaco.
7. Síndrome de Noonan: é uma condição incomum, causada por mutações genéticas, caracterizada por alterações faciais, pescoço alado,baixa estatura, malformações esqueléticas e associada a anomalias cardíacas (estenose pulmonar e/ou miocardiopatia hipertrófica). O ECG tipicamente mostra desvio do eixo para esquerda, ondas R pequenas nas derivações precordiais associadas a ondas S profundas até V6.

domingo, 3 de abril de 2011

RESPOSTA DO ECG ANTERIOR (QUAL O DIAGNÓSTICO 15)

O ECG mostra ritmo de fibrilação atrial (FA) com alta resposta ventricular, bloqueio de ramo direito (BRD) e depressão de ST em V3 a V6, associado a inversão de T. A presença de complexos RS amplos de V4 a V6 + alteração de ST sugerem hipertrofia ventricular esquerda (HVE), embora seja muito difícil estabeler critérios de HVE no traçado com BRD.
O quadro clínico-eletrocardiográfico é muito sugestivo de insuficiência cardíaca. A alteração de ST-T sugere etiologia isquêmica. A presença de BRD é um marcador de prognóstico na cardiopatia isquêmica.
O BRD pode estar associado ou não a doença. Na ausência de cardiopatia, o BRD isolado não tem importância prognóstica. Por outro lado, a presença de BRD é um marcador de mal prognóstico na cardiopatia isquêmica.
A presença de outras alterações como FA, depressão de ST e inversão de T (exceto nas precordiais direitas) são compatíveis com BRD associado a cardiopatia estrutural.

ATUALIZAÇÃO I: DEFINIÇÃO DO BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO (BRE) NA ERA DA TERAPIA DE RESSINCRONIZAÇÃO CARDÍACA

(BRE: aspecto típico-derivações V1 e V6)

Este é mais um assunto que tem sido alvo de discussão nos últimos anos. Com o surgimento da terapia de ressincronização, que beneficia pacientes com insuficiência cardíaca avançada e distúrbio de condução intraventricular, vários estudos recentes têm abordado o processo de ativação nos bloqueios de ramo.
Os critérios clássicos estabelecidos para o diagnóstico do bloqueio de ramo esquerdo (BRE) são:
• Aumento na duração do QRS: 0,12 s ou mais.
• Onda R monofásica  nas derivações esquerdas (V5, V6, D1 e aVL). Pode existir o padrão RS em V5 e V6 devido ao deslocamento da zona de transição.
 • Ausência de q em I, V5 e V6.
• Aumento do tempo do pico da onda R (tempo de ativação ventricular) em V5 e V6 > 0,06 s.
• Ondas r pequenas ou ausentes (QS) em precordiais direitas.
Desde o início do século passado os bloqueios de ramo tem sido reconhecido, porém durante muito tempo houve confusão entre o bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e direito (BRD), induzido por observações experimentações realizadas em cães, que apresentam o coração em posição diferente do ser humano. Assim, o BRE era considerado BRD e vice-versa. Barker et al através da estimulação elétrica ventricular mostraram que as definições dos bloqueios de ramo estavam invertidas. Após o surgimento das derivações precordiais, os critérios básicos para o diagnóstico dos bloqueios de ramo foram estabelecidos por Wilson.
Recentemente, Strauss et al, baseando-se em estudos sobre o processo de ativação, tem sugerido modificações nos critérios para definição do BRE. Estudos prévios mostraram, através do mapeamento da ativação por catéter, que o processo de ativação no BRE é heterogênio, sendo que até um terço dos pacientes com BRE conforme os critérios virgentes, apresentam tempo de ativação transeptal dentro da normalidade, com o retardo ocorrendo principalmente no miocárdio (intramural). Strauss et al consideram que cerca de um terço dos pacientes diagnosticados pelos critérios atuais, baseado na duração do intervalo QRS >= 120 ms, não apresentam realmente BRE completo. Estes pacientes uma combinação de HVE, retardo de condução intramural e/ou bloqueio fascicular anterior esquerdo (caso exista critérios para BFAE). Em um artigo de revisão recentemente publicado no American Journal of Cardiology, estes autores apresentam os novos critérios para definir o BRE, considerando como limite um QRS >=140 ms no homem e 130 ms na mulher, além de outros critérios que citaremos a seguir:
1. Duração do QRS >= 140 ms no homem e QRS >= 130 ms na mulher.
2. Complexo QS ou rS em V1  e V2.
3. Complexo com QRS com entalhe no meio, ou com espastamento, em 2 ou mais das seguintes derivações: V1, V2, V5, V6, I e aVL.
A presença de onda Q em I, V5 e V6 não deve excluir o diagnóstico de BRE, já que tais ondas Q, bem como uma onda R em V1 um pouco maior pode ser observado quando existe infarto septal e de parede livre associado (o chamado BRE complicado).
Algumas observações reforçam estes novos conceitos, tais como:
1. A análise de vários estudos de ressincronização tem suportado que o benefício desta terapia é limitada a pacientes com BRE e com QRS mais largo, com duração >= 150 ms. Estes pacientes com BRE completo apresentam um retardo na ativação do septo e a parede livre (lateral) do ventriculo esquerdo (VE), o qual é corrigido pela estimulação precoce da parede livre do ventrículo esquerdo através do eletrodo posicionado na parde posterolateral do VE. Apesar dos estudos de ressincronização incluirem pacientes com QRS >=120 ms, o benefício tem sido evidenciado (em análises posteriores) naqueles com BRE e QRS mais largo.
2.No BRE, definido pelos critérios de Strauss, a ativação atinge o endocárdio do VE somente 40 a 50 ms depois de iniciar no ventrículo direito e progredir através do septo. Mais 50 ms são necessários para ativar a rede de Purkinje e progredir para o endocárdio da parede posterolateral do VE. Outros 50 ms adiconais são "gastos" na ativação da parede posterolateral do VE, totalizando cerca de 140 ms a 150 ms. A duração do QRS pode ser maior, como obervado frequentemente nos pacientes com insuficiência cardíaca, em virtude do aumento da espessura miocárdica e dilatação da cavidade do VE, o que contribui para o aumento do tempo de ativação. O significativo retardo transeptal por áreas de bloqueios é o marcador do BRE verdadeiro.
3. No BRE o alargamento e alteração do QRS ocorre geralmente de forma súbita. Ao contrário, quando o aumento do QRS está relacionado a hipertrofia ventricular esquerda, o QRS vai sofrendo aumento de duração de forma progressiva, sem grandes alterações na sua morfologia e sem evidências de entalhes dentro do QRS. No artigo citado, os autores apresentam traçados sucessivos de uma paciente durante 6,5 anos de seguimento (QRS inicial=92 ms, QRS final=142 ms).
No estudo que publicamos em janeiro deste ano, incluimos pacientes com BRE e como critério um QRS > = 120 ms. Observamos que a presença de entalhes dentro do QRS está associado a maior grau de dissincronia interventricular e intraventricular pelo Doppler tecidual. Este dado reforça a ideia de que a presença de entalhes está relacionada a um padrão de despolarização dissincrônico, característico do BRE típico, conforme a recente definição elaborada por Strauss et al.
Outro aspecto que lembramos é que antigamente a duração do QRS era rotineiramente realizada nas derivações periféricas, sendo atualmente recomendado a medida na derivação onde o QRS apresenta maior duração, habitualmente nas derivações precordiais. Comumente o QRS apresenta maior duração em V1 a V3. Assim não é incomum encontrar QRS com duração de 120 ms em V1 a V3, associado a HVE ou bloqueios fasciculares, mas sem padrão de BRE.
Portanto, considero que esta redifinição de BRE de Strauss et al é muito bem fundamentada e corrige dificuldades que encontramos para caracterizar certos traçados como BRE. Particularmente sou favorável a adoção destes critérios, mas precisamos aguardar a posição das sociedades internacionais, expressas nas futuras diretrizes e recomendaçãoes.